Porquê “fazer santo”?
Conhecer a si mesmo: pressuposto básico para a realização
pessoal em todos os níveis. Desde sua origem, o ser humano anseia pelo encontro
com o Infinito. Essa busca incansável frequentemente provoca verdadeiras
batalhas que são travadas no interior do indivíduo, acompanhadas por
sentimentos de angústia, ansiedade, inconformismo ou até mesmo de desespero
face ao desconhecido ou ao irremediável: as fatalidades e incertezas do amanhã,
o ciclo da vida, a morte.
Todo o processo de Iniciação se destina à criação de
ambiente propício ao tão sonhado encontro. A história da humanidade espelha
essa incansável busca de respostas aos enigmas da vida: Quem sou eu? De onde
venho? Para onde vou? A felicidade é perseguida por todos, sendo muitas vezes
um desejo alimentado pela incerteza. E o ser humano continua a colocar a
própria felicidade longe de si mesmo, em circunstâncias exteriores: dinheiro,
posição, poder, fama, ou na dependência de outras pessoas: “Se ele – ou ela –
me amar, serei feliz”. Há milhares de anos, o nativo do continente africano já
tinha os mesmos anseios: conhecer o seu Deus, os mistérios do Universo, a
origem da Vida. Olodumarê (o Criador), em sua Graça e Poder infinitos,
permitiu-lhes conhecer a sabedoria do IFA (a revelação): a Criação do Universo
e dos seres humanos, os princípios que regulam as relações entre Ilú Aiyé (a
Terra) o Orún (mundo espiritual) e o conhecimento dos Orixás, divindades
intermediárias entre Deus (Olodumarê) e os homens.
Desenvolveram-se rituais iniciáticos para os mistérios dos
Orixás, como forma de realizar o sagrado em si mesmo, ou seja, permitir que o
Deus Interior, na figura de um ancestral divino, desperte em cada indivíduo e
estabeleça a ponte com o Cosmos, tão necessária à realização pessoal,
tornando-o assim capaz de fazer escolhas mais acertadas e consequentes em
relação à vida e aos semelhantes, na construção da própria felicidade. A
compreensão clara de que o destino é uma possibilidade e não uma fatalidade é a
base dessa realização. O conhecimento das forças que regem o Universo e a Vida
nas suas mais variadas formas e meios de manifestação, bem como dos princípios
que regulam essa interação é o caminho da Iniciação. Depois da primeira parte
deste tema, continuo agora com um pouco mais de informação sobre a Iniciação no
Candomblé.
Brevemente, ainda voltando a este tema irei expor alguns
detalhes importantes que completarão esta informação, e que certamente
propiciarão um conhecimento mais profundo deste momento tão importante na vida
de cada um que decide abraçar o Candomblé como sua Religião.
Fazer santo: Quem, Quando e Como?
O momento do “chamado” é diferente para cada pessoa. Para
alguns, uma doença difícil de ser curada, para outros, as dificuldades do
próprio caminho; outros ainda, buscam fugir às religiões tradicionais por
concluírem que muitas delas estão tão voltadas para o dia a dia dos homens e
para os seus interesses imediatos que acabam por fugir à sua real finalidade:
promover o encontro do ser com a Divindade, ampará-lo em suas dificuldades
espirituais e consequentemente, também as materiais. Alguns ainda são
provenientes de outras religiões ou filosofias espiritualistas; finalmente,
existem aqueles que simplesmente são tocados pelo Orixá, fundo na própria alma.
A iniciação (feitura) propriamente dita acontece num
período de reclusão que varia entre sete a dezassete dias (embora alguns
lugares adoptem 21). Essa reclusão (recolhimento) ocorre nos Templos Religiosos
conhecidos como Casas de Candomblé, em aposentos próprios para tal finalidade.
Esse período é comparável à gestação na barriga da mãe; nesse aspecto, o
aposento sagrado representa o ventre da própria mãe natureza. O neófito aprende
os mistérios básicos das divindades e da Criação; os costumes da comunidade e
os princípios que regulam as relações da família religiosa (hierarquia
sacerdotal); as formas adequadas de comportamento nas cerimónias públicas e
restritas. Conhecimentos acerca de seu próprio Orixá são-lhe ministrados: a
maneira adequada de cultuá-lo, as suas proibições (ewò), as virtudes que
deverão ser cultivadas e os vícios que deverão ser evitados para atrair
influências benéficas e uma relação harmoniosa com a divindade pessoal.
O que pode mudar na vida do Iniciado?te
O Destino é dado a cada ser na forma de possibilidade,
nunca como fatalidade. Desse modo, quem antes de voltar ao mundo escolheu por
exemplo ser médico, ao renascer na Terra encontrará no seu caminho situações
que o direcionem para essa profissão. Entretanto, isto não quer dizer que
necessariamente venha a exercer a medicina. Ele pode a qualquer tempo mudar os
rumos da própria vida através do exercício do livre-arbítrio (o que, aliás, é
um conceito universal). Cada qual constrói a própria história. Ocorre muitas
vezes a pessoa acabar por fazer escolhas erradas e sofrer consequências
desastrosas. Pode ser fruto de um destino “negativo”, que exigirá tempo e
determinação para ser superado. A dor transforma-se em companheira constante.
Ligam-se a tudo isso os problemas do dia a dia (para não mencionar a situação
difícil da sociedade contemporânea); o conjunto destes factores acaba por
provocar sentimentos de impotência frente aos obstáculos e encruzilhadas da
vida, ou simplesmente solidão, carência de carinho, de orientação, de coragem.
Carência de fé. O Orixá pessoal, nesse particular, pode influenciar em muito,
prevenindo ou mesmo remediando estas situações, conferindo força e equilíbrio
ao seu tutelado, restaurando-lhe as energias, estendendo-lhe protecção e
orientando-o quanto ao melhor caminho a seguir.
Mas o indivíduo deve permitir que o Orixá actue de modo
construtivo na sua própria vida. O Orixá não representa problemas no caminho de
ninguém – pode significar a solução. Através do seu apoio divino o ser humano
pode criar condições para vencer as barreiras internas e externas para a
construção de um futuro melhor.
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